Zélio Fernandino de Morais
Como Surgiu a Umbanda...
Dedicar integralmente o
tempo das sessões ao atendimento aos necessitados, Zélio Fernandino de Morais,
médium que recebeu o caboclo das sete encruzilhadas, o fundador da umbanda no
Brasil, desencarnou em outubro de 1975, aos 84 anos de idade. De seu trabalho
incansável resultou a umbanda de hoje, que é sem dúvida, a religião que mais
cresce no Brasil.
Da atitude de Zélio de
Moraes que, incorporado, declarou estar “faltando uma flor”, na mesa da
Federação Espírita de Niterói, surgiu uma das curimbas (pontos cantados) mais
belas da umbanda, que diz:
“Surgiu no jardim mais
uma flor,
Mamãe Oxum trazendo paz e amor.
Que vai crescendo, pôr este imenso Brasil.
Bandeira branca de Oxalá, força do além,
Mãe caridosa que ao mundo deseja o bem...
vai sempre em frente em frente ,
ó minha umbanda querida,
leva a doçura da vida para aqueles que não têm !....”
Em fins de 1908, uma
família tradicional de Neves, Estado do Rio de Janeiro, foi surpreendida pôr
uma ocorrência que tomou aspecto sobrenatural: o jovem Zélio Fernandino de
Moraes, que fora acometido de estranha paralisia, que os médicos não conseguiam
debelar, certo dia ergueu-se do leito e disse “Amanhã estarei curado”.
No dia seguinte,
levantou-se normalmente e começou a andar, como se nada, antes, lhe houvesse
tolhido os movimentos. Contava apenas dezessete anos e destinava-se a carreira
militar na marinha.
A medicina não soube
explicar o que tinha ocorrido. Os tios, que eram padres católicos, foram
colhidos de surpresa e nada disseram sobre a misteriosa ocorrência.
Um amigo da família
sugeriu, então, uma visita à Federação Espírita de Niterói, presidida por José
de Souza, na época.
No dia 15 de novembro de
1908, o jovem Zélio foi convidado a participar de uma sessão e o dirigente dos
trabalhos determinou que ele ocupasse um lugar à mesa.
Tomado por uma força
estranha e superior a sua vontade, contrariando as normas que impediam o
afastamento de qualquer dos componentes da mesa, o jovem Zélio levantou-se e
disse :
- Aqui está faltando uma
flor!, e retirou-se da sala. Pouco depois, voltou trazendo uma rosa, que
depositou no centro da mesa.
Essa atitude insólita
causou quase um tumulto. Restabelecida a “corrente”, manifestaram-se espíritos,
que se diziam de pretos escravos e de índios ou caboclos, em diversos, médiuns.
Esses espíritos foram convidados a se retirar pelo presidente dos trabalhos,
advertidos do seu atraso espiritual.
Foi então que o jovem
Zélio foi novamente dominado por uma força estranha, que fez com que ele
falasse sem saber o que dizia (De acordo com depoimento do próprio à revista
Seleções de Umbanda, em 1975.).
Zélio ouvia apenas a sua
própria voz perguntar o motivo que levava os dirigentes dos trabalhos a não
aceitarem a comunicação desses espíritos e pôr que eram considerados atrasados,
se apenas pela diferença de cor ou de classe social que revelaram ter tido na
sua ultima encarnação. Seguiu-se um diálogo acalorado, e os responsáveis pela
mesa procuraram doutrinar e afastar o espírito desconhecido, que estaria
incorporado em Zélio e desenvolvia uma argumentação segura.
Um dos médiuns videntes
perguntou, afinal:
- Porque o irmão fala
nesses termos, pretendendo que esta mesa aceite a manifestação de espíritos que
pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados são claramente atrasados? E
qual é o seu nome irmão?
Respondeu Zélio, ainda
tomado pela força misteriosa:
- Se julgam atrasados
esses espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei em casa
deste aparelho (o médium Zélio) para dar início a um culto em que esses pretos
e esses índios poderão dar a sua mensagem e, assim , cumprir a missão que o
plano espiritual lhes confiou.
Será uma religião que
falará aos humildes , simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os
irmãos, encarnados e desencarnados.
E , se querem saber
o meu nome , que seja este : “Caboclo das Sete Encruzilhadas”, porque não
haverá caminhos fechados para mim.
O vidente interpelou a
Entidade dizendo que ele se identificava como um caboclo mas que via nele
restos de trajes sacerdotais.
O espírito respondeu
então:
- O que você vê em mim
são restos de uma existência anterior. Fui padre e meu nome era Gabriel Malagrida.
Acusado de bruxaria fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano
de 1761. Mas em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio
de nascer como caboclo brasileiro.
- Julga o irmão que
alguém irá assistir ao seu culto?, perguntou, com ironia, o médium vidente; ao
que o caboclo das sete encruzilhadas respondeu:
- Cada colina de Niterói
atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei!
Zélio de Morais contou
que no dia seguinte, 16 de novembro, ocorreu o seguinte:
- Minha família estava
apavorada. Eu mesmo não sabia explicar o que se passava comigo. Surpreendia-me
haver dialogado com aqueles austeros senhores de cabeça branca, em volta de uma
mesa onde se praticava para mim um trabalho desconhecido.
Como poderia, aos
dezessete anos, organizar um culto? No entanto eu mesmo falara, sem saber o que
dizia e por que dizia.
Era uma sensação
estranha: uma força superior que me impelia a fazer e a dizer o que nem sequer
passava pelo meu pensamento.
- E, no dia seguinte em
casa de minha família, na Rua Floriano Peixoto, 30, em Neves, ao se aproximar a
hora marcada, 20 horas , já se reuniam os membros da Federação Espírita,
seguramente para comprovar a veracidade dos fatos que foram declarados na
véspera, os parentes mais chegados, amigos, vizinhos e , do lado de fora,
grande número de desconhecidos.
Às 20 horas,
manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Declarou que se iniciava
naquele momento, um novo culto em que os espíritos de velhos africanos, que
haviam servido como escravos e que, desencarnados, não encontravam campo de
ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase
exclusivamente para trabalhos de feitiçaria , e os índios nativos de nossa
terra poderiam trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que
fosse o credo e a condição social.
A prática da caridade ,
no sentido do amor fraterno, seria a característica principal desse culto, que
teria pôr base o Evangelho de Cristo e, como mestre supremo Jesus.
O Caboclo estabeleceu as
normas em que se processaria o culto: sessões , assim se chamariam os períodos
de trabalho espiritual, diárias das 20 às 22 horas, os participantes estariam
uniformizados de branco e o atendimento seria gratuito.
Deu, também, o nome desse
movimento religioso que se iniciava; disse primeiro allabanda (ou um dos
presentes assim anotou) mas considerando que não soava bem a sua vibratória,
substituiu-o por Aumbanda, ou seja Umbanda , palavra de origem sânscrita que se
pode traduzir por “Deus ao nosso lado”, ou “o lado de Deus”.
Muito provavelmente,
ficou o nome umbanda, e não Aumbanda, porque alguém anotou a palavra
separadamente (a umbanda).
A casa de trabalhos
espirituais, que no momento se fundava, recebeu o nome de Nossa Senhora da
Piedade, porque assim como Maria acolhe o Filho nos braços, também seriam
acolhidos, como filhos, todos os que necessitassem de ajuda ou de conforto.
Ditadas as bases do culto,
após responder, em latim e em alemão às perguntas dos sacerdotes ali presentes,
o Caboclo das Sete Encruzilhadas passou a parte pratica dos trabalhos, curando
enfermos, fazendo andar aleijados.
Antes do término da
sessão, manifestou-se um preto velho. Pai Antônio, que vinha completar as
curas.
Segundo o jornal Gira de
Umbanda (n.º 19 “As Verdadeiras origens da Umbanda do Brasil”), foi esse guia
quem ditou o ponto hoje cantado no Brasil inteiro “Chegou, chegou, chegou,
com Deus, chegou, chegou o Caboclo das Sete Encruzilhadas”.
Nos dias seguintes, verdadeira
romaria se formou na Rua Floriano Peixoto, n.º 30, em Neves.
Enfermos , cegos,
paralíticos, vinham em busca de cura e ali encontravam , em nome de Jesus.
Médiuns (cuja manifestações haviam sido consideradas loucuras) deixaram os
sanatórios e deram provas de suas qualidades excepcionais.
Estava fundada a umbanda
no Brasil. 15 de novembro seria posteriormente, dia nacional da umbanda.
Cinco anos mais tarde,
manifesta-se o orixá Malé exclusivamente para a cura de obsedados e o combate
aos trabalhos de magia negra (obs. Orixá, na realidade não incorpora, apenas
manda sua vibração à terra, é comum no estado do Rio, trata-se de um guia
espiritual pela denominação do orixá segundo Ivone Mangie Alves Velho, em seu
livro Guerra de Orixá).
Dez anos após a fundação
da Tenda Nossa Senhora da Piedade (registrada como tenda Espírita , porque não
era aceito na época, o registro de uma entidade com especificação de umbanda),
o Caboclo das Sete Encruzilhadas declarou que iniciava a segunda parte de sua missão:
a criação de sete templos , que seriam o núcleo do qual se propagaria a
religião da umbanda.
Em 1935, estavam fundados
os sete templos idealizados pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas , sendo curiosa
a fundação do sétimo , que receberia o nome de Tenda São Gerônimo (a casa de
Xangô).
Faltava um dirigente
adequado ao mesmo, quando numa noite de quinta feira, José Alvares Pessoa,
espírita e estudioso de todos os ramos do espiritualismo, não dando muito
crédito ao que lhe relatavam sobre as maravilhas ocorridas em Neves , resolveu
verificar pessoalmente o que se passava.
Logo que assomou à porta
da sala em que se reuniam os discípulos do Caboclo das Sete Encruzilhadas, este
interrompeu a palestra e disse:
- Já podemos fundar a
Tenda São Jerônimo. O seu dirigente acaba de chegar.
O Sr. Pessoa ficou muito
surpreso, pois era desconhecido no ambiente. Não anunciara a sua visita e viera
apenas verificar a veracidade do que lhe narravam.
Após breve diálogo em que
o Caboclo das Sete Encruzilhadas demonstrou conhecer a fundo o visitante, José
Alvares Pessoa assumiu a responsabilidade de dirigir o último dos sete templos
que a entidade criava.
Dezenas de templos e
tendas porém , seriam criados posteriormente, sob a orientação direta ou
indireta do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Em 1939, o Caboclo das
Sete Encruzilhadas determinou que se fundasse uma federação (que posteriormente
passou a à denominação de União Espírita de Umbanda do Brasil, segundo relata
Seleções de Umbanda n.º 7 1975), para congregar templos Umbandistas e que
deveria ser o núcleo central desse culto, em que o simples uniforme branco de
algodão, dos médiuns estabelecia a igualdade de classes e a simplicidade do
ritual permitia.
Texto extraído do JUS - JORNAL DE UMBANDA SAGRADA
Salve Umbanda! Parabéns Umbanda pelos seus
103 anos de história!
Saravá a todos os Irmãos que fazem parte dessa Festa! Paz e Luz!
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