Era dia de "Gira de Preto Velho" no
terreiro. Enquanto os consulentes chegavam ansiosos e esperançosos em levar de
volta a "solução" daqueles problemas que atrapalhavam suas vidas, na
frente do congá os médiuns vestidos de branco e de pés descalços concentravam,
ligando-se aos seus protetores e guias.
O ambiente denotava simplicidade e era mobiliado
apenas por al cadeiras para acomodar os consulentes, banquetas para os médiuns
que serviriam de "aparelhos" às entidades espirituais e o congá onde
um vaso de flores, outro de ervas e os elementos ar, fogo, água e terra se
faziam presentes. Acima, uma imagem de Jesus resplandecente de luz.
Iniciando-se a sessão através de pontos cantados e
orações, após uma leitura espiritualista elucidativa, iniciavam-se as
incorporações de maneira moderada. Do lado astral, as falanges de trabalhadores
já haviam chegado muito tempo antes dos médiuns e ali já haviam preparado o
ambiente fluidicamente. Uma varredura energética havia sido feito pelos
elementais onde primeiramente atuaram as salamandras e após as sereias e
ondinas, fazendo com que toda a matéria astralina densa que ali se encontrava,
fosse transmutada permitindo a chegada dos espíritos trabalhadores.
Na porta do ambiente, junto à firmeza, a vela e a
cachaça eram dados ao exú tronqueira, e seus comandados, impondo respeito e segurança
formavam verdadeira muralha armada, impedindo a invasão de seres indesejáveis
ao bom andamento do trabalho da noite.
Cada um dos consulentes que adentrava ao ambiente
passava agora primeiro pela defumação que queimava junto à porta, em cumbuca de
barro, exalando o cheiro das ervas perfumadas sendo incineradas pelo carvão
vegetal. Equipes de limpeza se movimentavam no lado espiritual, recolhendo as
larvas astrais e outras espécies de energias deletéreas que ali eram
desagregadas dos corpos dos consulentes, as quais não eram totalmente
absorvidas pelo carvão ou transmutadas pelo elemento fogo.
Em alvíssimas vestes, os amados Pais e Mães, na
sua roupagem fluídica de Pretos Velhos, trazendo a alegria estampada em sua
energia, tomavam conta de seus "aparelhos" médiuns, atuando no chácra
básico dos mesmos, obrigando-os a dobrar as suas costas à semelhança de velhos
arqueados, incentivando-os ao trabalho fraterno.
E assim, de consulente em consulente, de caso em
caso, com a paciência e sabedoria que lhes é peculiar, entre uma baforada e
outra de palheiro ou de alguma espanada com o galho de ervas na aura daqueles
filhos, os bondosos espíritos cumpriam sua missão. Eram conselhos, corrigendas,
desmanche de magia negra, de elementares artificiais negativos, limpeza e
equilíbrio dos corpos sutis, retirada de aparelhos parasitas e às vezes, alguns
puxões de orelha necessários, em forma de alerta. Tudo de acordo com o
merecimento do consulente, pois cada um trazia consigo a mostragem de sua
"ficha cármica" onde estavam impressos o que a lei permitia ser
mudado, bem como o que ainda era necessário que com eles permanecesse.
Vó Benta, espírito portador de grande sabedoria e
humildade, apresentando-se naquele local com o corpo astral de negra velha de
pequena estatura, com roupas simples e alvas, cuja saia comprida e larga era
coberta por um avental onde um bolso era recheado de ervas e patuás, tinha uma
maneira simplista e diplomática de fazer com que os filhos entendessem que eles
próprios eram seus médicos curadores:
- Minha mãe, acho que estou sendo vítima de
"trabalho feito" pela minha ex-mulher...
Sorrindo e com linguagem peculiar, segurava com
firmeza as mãos do moço passando-lhe com isso confiança e com a voz recheada de
afeto respondia:
- Negra Velha vai explicar para que o filho
entenda: -Quando sua casa está totalmente fechada, fica escura e nada pode
entrar, às vezes nem a poeira. Não é isso? Quando o filho abre as janelas e
portas, a luz do sol entra invadindo todos os cantos, mas podem entrar também
as moscas, baratas, formigas e até os ladrões, não é? Para a sujeira e os
bichos, o filho pode usar a vassoura, para os ladrões a lei, a segurança. E para
a luz do sol? Ah, essa filho, fica ali iluminando até que o filho feche toda a
casa outra vez. Assim também é a nossa casa interna; quando nos fechamos para a
vida, para o trabalho, ficamos no escuro e ao nos abrirmos, deixamos a luz
entrar, mas ficamos sujeitos a todas as outras energias que pululam ao nosso
redor. Mas como acontece na casa material, onde não houverem os atrativos da
sujeira e do lixo, os insetos não se aproximam. Se estivermos equilibrados, sem
raiva, mágoa, ciúmes, vícios e todos esses lixos que os filhos buscam na
matéria, nada nem ninguém consegue afetar nossa energia, nossa vida. Só o sol
permanece no coração de quem procura manter-se limpo.
Negra Velha sabe que esse mundão está de cabeça
para baixo. No lado material os filhos andam desarvorados pela dificuldade de
sustento de suas famílias, quando não, em busca de supérfluos. Mas mesmo assim,
é preciso lembrar aos filhos, que embora estejam na matéria e sujeitos à ela, a
vida real está no espírito imortal. É preciso dar mais atenção, senão
prioridade, à essência em detrimento do restante, para que possa haver o
equilíbrio dos elementos inerentes à vida, na sua totalidade.
O mal que é enviado aos filhos, só vai instalar-se
se encontrar no endereço vibratório, ambiente adequado. Sem contar que, o medo
é porta aberta e atrativo para a entrada do desequilíbrio. O medo é sentimento
muito usado pelas energias da esquerda, uma vez que fragiliza o corpo emocional
facilitando sua atuação mórbida. Por outro lado, Negra Velha pergunta para o
filho: - se a desordem não houvesse se instalado, por acaso o filho estaria
aqui, sentado no chão, em frente à Preta Velha, buscando humildemente ajuda
espiritual? Nem sempre o que nos parece mal, é tão prejudicial assim. Pode ser
o remédio adequado para o momento, ou talvez a estremecida necessária no corpo
astral dos filhos, para que a ordem possa reinstalar-se.
As trevas, meu filho, estão vinte e quatro horas
de plantão. E os filhos, acaso estão? Não adianta orar e não vigiar, pois o
pensamento é energia e com ele nos adequamos ao campo energético que quisermos.
Antes da hora grande as falanges da egrégora dos
Pretos Velhos, despediram-se de seus aparelhos, alguns precisando largar e
desfazer a vestimenta astral usada para que pudessem chegar até os aparelhos
mediúnicos e voltavam agora para as bandas de aruanda, onde continuariam suas
atividades no mundo astral. Pois como diz a Vó Benta, "se pensam que
morrer é dormir e descansar, os filhos estão muito enganados...desse lado tem
muito trabalho e como nem o Pai está imóvel, quem somos nós cuja ficha cármica
demonstra um vasto débito, para nos aposentarmos?".
Agora as velas apagam-se, os elementos voltam a
integrar a natureza, os elementais após limparem o ambiente retornam aos seus
devidos reinos, os elementares foram desagregados pela força e sabedoria dos
pretos velhos e os médiuns voltam aos seus lares com a sensação de paz que só é
sentida por aqueles que cumprem com seus deveres.
Preto Velho já foi,
já foi prá Aruanda,
a benção meu Pai
Saravá prá sua banda...
Saravá todo Preto Velho e toda Preta Velha na Umbanda
Adorei as Almas!!!
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