Não se deve mais olhar para trás quando decidimos por nos
espiritualizarmos. O passado de cada um pode dificultar a caminhada do presente
como também pode ajudá-lo na consolidação de promessas feitas. Sejamos sóbrios.
Sejamos honestos com as propostas que a cada instante os benfeitores
espirituais estão nos oferecendo. Corre o tempo em que as apurações são
necessárias. Nosso planeta tão pródigo, tão benigno, merece uma posição melhor
no cômputo cósmico. Nosso Mestre Jesus vem há milhares de anos ofertando a
todos as bênçãos da Sua presença iluminada, sábia e amorosa. Não se pode
precisar o início histórico de cada morador desta casa, pode-se, contudo,
avaliar o que cada qual fez e faz do tempo que aqui está a partir das suas
posturas e decisões. O planeta necessita de nossas ações positivas para que ele
avance na escala dos mundos, atingindo outro estágio que o aproxime da
categoria de mundos felizes.
Noutro dia encontrei alguém muito feliz. Ela caminhava com desenvoltura
por uma avenida entulhada de gente, carroças de pipocas, bancas de jornal e
inúmeros camelôs divulgando em voz alta seus produtos, numa confusão
generalizada. Segui-a com os olhos já que estava distante, na sacada do prédio
onde funciona a lavanderia na qual trabalho. Era o meu horário de almoço. E
aquela pessoa sorria para todos, distribuindo formosas bênçãos. Pensei ser uma
religiosa, uma distribuidora de produtos para o comércio dali, uma milionária,
talvez relembrando seus tempos de pobreza ou ainda um agênere materializado
entre os vivos trazendo-lhes os recados da espiritualidade além. Fiquei
intrigado com tamanha felicidade. Donde vinha ela? Onde se abastecia de tanta
festa interior? Passei assim a observá-la diariamente. E ela não falhava. Vinha
todos os dias, distribuindo os mesmos benefícios da sua aura em festa.
Fiz um acordo com o patrão. Trabalharia durante uma semana até as 22
horas para que ele me desse um dia de folga durante a semana. Eu precisava
descer da sacada, encontrar-me com ela. Assim, numa bela terça-feira, dia da
minha reunião mediúnica, aprontei-me com uma roupa melhor, barbeei, peguei
algum dinheiro para almoçar num restaurante e lá fui eu encontrar-me com a
doadora de alegrias. Cuidei para que meu patrão não me visse andando pela rua,
próximo à lavanderia. Sempre se tem um servicinho que é nossa especialidade e
aí, pronto: – Olha, que bom que está por aqui. Estou precisando de você. Suba!
Caminhei então por entre aquele ambiente calorento e confuso durante
trinta minutos para sentir o que sentia aquela pessoa que transitava com
desenvoltura por entre tudo e todos. Ela não aparecia. Caminhei mais um pouco,
nada! Um pouquinho mais e não a encontrava. Passei pelos mesmos locais que ela
costumava passar e na hora de sempre. E ela não aparecia. Duas horas depois
estava extenuado. Quase não tinha mais fôlego. A roupa grudava em meu corpo
suado. De tanto levar empurrões e pisões, tinha pré-hematomas por todos os lados
do corpo. Até xinguei uma criança que corria esbaforida procurando um algodão
doce que havia escapado de suas mãos. Uma mulher obesa, besuntada de maquiagem
e trajando enorme vestido vermelho com bolas e fitas brancas, vinda das partes
mais exóticas do planeta, pediu-me moedas e companhia. Nem dei atenção a ela,
pelo contrário, empurrei-a com força. Um velho capenga mal se firmava nos pés
e, absurdo, queria transitar naquele lugar. Ia ao médico. Por que não arranjava
um médico na periferia da cidade? Será que não percebia que seu andar lento e
manquitola atrapalhava a passagem de todos? Um camelô que vendia azeitonas
baratas, infestado daquele cheiro, quase me empurrou goela abaixo uma daquelas
sementes verdes: – Prova! Vai perceber que é a melhor da cidade!
Depois veio uma cigana pegando minhas mãos e dizendo que eu iria
encontrar bela moça para casar. Ora, já era casado há tanto tempo! Disse a ela
que procurasse seu lugar! Tudo aquilo me deixava superestressado. Um grupo de
desocupados discutia futebol, numa roda, impedindo a passagem. Ditei-lhes
algumas palavras impróprias e falei mal do futebol, dizendo que enquanto eu
ganhava três salários mínimos, há jogadores que ganham mais de oitocentos
salários mínimos! Depois até pensei no que eu tinha a ver com isto. Mas já
havia dado minha infeliz opinião. E fui assim, trombando aqui, ali, levando
pisões e arranhões, ditando impropérios tirados de uma imensa rede de
variedades, que perambulei por duas horas e duas a mais do tempo que via aquela
pessoa feliz passar e sorrir para todos. E, por falar nela, nada! A divina
criatura tirou folga justo naquele dia.
Chegou a noite e fui para a mediúnica. Estava cansado demais. Com
certeza não produziria nada. Arrependi-me por não ter trabalhado normalmente. O
meu trabalho era uma preparação para minhas conversas com Espíritos
necessitados. O diretor da reunião deu início à mesma. Silêncio, leitura do
Evangelho, prece e aguardos. Uma médium foi logo acionada por um irmão, depois
outra e mais outra. Não conseguia tabular boa conversação. Houve um momento que
o diretor teve que interferir. Eu não estava bem. Estava muito cansado e
aborrecido por não ter encontrado a pessoa feliz.
Já no final, antes da prece de encerramento, dona Justina, médium mais
antiga no Centro Espírita que eu frequentava, tomou minhas mãos e olhou-me com
carinho: – Está aqui uma entidade que deseja falar com você. Escute bem o que
ela tem a dizer. Dito isto, foi logo acionada por uma entidade calma e feliz: –
Olá, amigo. Bom te ver aqui. Estou feliz por isto. Meu nome é Xênia e venho de
muito longe. Minhas marcas estão arquivadas em sua memória. Faz algum tempo e
fomos amigos numa jornada venturosa. Você me encantou pela disposição, alegria
e bom humor perante as situações mais difíceis que enfrentava. Eu era apenas
uma aprendiz das suas posturas sãs e benevolentes. O tempo passou e você
renasceu. Eu permaneci. Consegui descobri-lo trabalhando na lavanderia. Marquei
bem o seu horário de folga e passava pela avenida, mostrando a você minhas
melhoras no campo do bom humor e do entendimento de como lidar com situações e
pessoas difíceis. Hoje não me foi possível passar pela avenida porque tive a
autorização de vir a esta reunião para conversarmos. Assim, gostaria de saber o
que achou de mim. Melhorei um pouco?
Abaixei a cabeça envergonhado. Jesus havia permitido que eu visse um
Espírito desencarnado. Coisa que mais queria. E não era uma visão apenas para
meu deleite. Era para que eu, em vendo o Espírito desencarnado, olhasse para
dentro de mim. Eu estava desaprendendo tudo. Se fui mesmo o que ela disse,
havia despencando de algum cume. Percebi o quanto necessitava melhorar. Quem
sabe lá no passado fui impulsionado para os alvores da alegria como um estímulo
e agora havia retornado para os processos da consolidação? Olhei para Xênia e a
vi novamente. Dona Justina desapareceu e ali aquela pessoa de beleza jovial
sorria-me, estendendo as mãos: – Você me recebe como filha?
Quase desfaleci. Eu e minha esposa estávamos nos preparando para nos
colocar à disposição de Deus para que nos enviasse um de Seus filhos. –
Renascerei em paz e feliz e, mais ainda, por ser amparada por você que me
ensinou a caminhar com bravura pelas avenidas tormentosas do mundo.
Chorei copiosamente. Ninguém ali entendeu. Xênia seria minha filha. E
agora, como recebê-la? Que mudanças necessitaria realizar? O que precisava
domar em mim das minhas intempestividades, das minhas ranzinzas, das minhas
respostas prontas para aquilo que me perturbava? Ontem ela renasceu. Tomei-a
nos braços e prometi: – Caminharei com você nas avenidas tortuosas do mundo,
mostrando-lhe que tudo é de Deus e que estamos no lugar certo, com as
necessidades de que mais precisamos.
Por Guaraci Lima Silveira
Q Linda mensagem!!!
ResponderExcluirEstar centrado nas horas de calmaria é fácil...
vejamos se conseguimos nas tempestades.
Paz de Oxalá ! Alegrias de Erês !
Saravá!